Ônibus

Abro espaço neste blog familiar para falar de algo muito importante na vida do suburbano médio: ônibus. 

A minha primeira vez num ônibus sozinha foi um hino de redenção. Doze aninhos, bolsa do curso de inglês no braço e borracha da Barbie no estojo. Meu pai deu 5 pratas pro pastel no China e disse as palavras mágicas:

"Sabe voltar pra casa de ônibus?"

Parecia que um som de flauta doce havia saído da boca do meu pai. Me senti a senhora da razão, parecendo que dali em diante eu poderia ser emancipada e estava autorizada a ter minha casa com 18 cachorros. Melhor que isso só se meu velho-não-tão-velho-assim permitisse que eu colasse os posteres dos Jonas Brothers nas paredes do meu quarto. Mas ele não deixou isso. Ainda bem. 

Foram os dez minutos mais independentes de toda a minha vidinha. Eu não queria ser buscada naquele dia. Eu sairia imponente pelas portas vermelhas do curso, cruzaria a rua, rumaria ao ponto de ônibus movimentado e faria sinal para o primeiro ônibus que passasse na minha frente. Qualquer um servia para mim!! Menos um. E disso eu não sabia.

Queridos leitores, adivinhem qual foi o primeiro ônibus que passou. Isso mesmo, o dito cujo. 

Enquanto eu olhava o percurso do alto da minha independência, ele não fez a curva que eu esperava que fizesse. Pelo contrário: ele seguiu em frente. 

Meu esfíncter agiu, fechando-se com a graça de músculos bem preparados para o perigo. Agradeci por ter só 12 anos e toda a musculatura ainda preservada.

E nesse momento eu percebi: eu estava muito ferrada. Aonde aquele ônibus estava me levando? Puxei a cordinha, que obviamente não estava funcionando como em todo bom dia de falta de sorte. Mas o ônibus parou e eu desci. 

Eu não sabia onde eu estava. Graças a Deus meu Nokia tijolão com toques polifônicos estava do meu lado e eu disquei o número do meu pai, a cobrar é claro. 

"PapaieuestouperdidapeloamordeDeusmeajuda"

Após uma ligação confusa de tempo recorde com meu pai (21 segundos, amigos!!), ele foi me buscar de carro. Então eu percebi que estava a apenas 5 minutos à pé da minha casa.

Isso mesmo. A cinco minutos da minha casa e eu entrando em pânico achando que estava em ambiente hostil.
Palmas para meu cérebro aos doze anos. Palmas. 
E uma salva de palmas pro esporro magnífico que eu tomei do meu pai.


O tempo passou e aos 14 me vi obrigada a todos os dias pegar ônibus para ir à escola. E pense numa mistura de The Walking Dead com Hora do pesadelo. Parecia isso, só que pior. O ônibus, além de cair aos pedaços porque nesta cidade a gente tem um bosta de um prefeito conhecido como Eduardo Paespalho (que aumentou o preço da passagem para três reais prometendo implantar ar condicionado em todas as linhas da cidade, mas apenas as da Zona Sul ganharam ar), tinha vários viciados em crack. 

A cena é triste. Esse é o momento em que o humor fica de lado para dar lugar à tristeza. Sim, são seres humanos, em péssimas condições. Às sete da manhã não era raro ver crianças já drogadas se atirando entre ônibus para que fossem à favela mais próxima comprar mais drogas com pequenos trocados subtraídos dos transeuntes. Eu, com 14 anos e indo engomadinha para uma escola federal, via todos os dias crianças de 10, 12 anos vagando pelas ruas à procura de mais um pouco de droga.

E sim, o ônibus que os levava às favelas era justamente o que eu pegava. E, sim, eles tentavam assaltar quem estava dentro do ônibus certas vezes. Acho que eu sou tão pobre que nunca me roubaram nada, mas já vi vezes de que usuários de droga foram tirados do ônibus com a ameaça de levarem pauladas. E eu simplesmente não podia fazer muita coisa porque... Olha meu tamanho!!

Então uma vez o 350 demorou a passar e eu lá, linda e bela, a esperar. Aí marota que sou vi uma concentração anormal de pessoas na frente do ônibus e falei pra galera: "Vamo nessa porra não!!!". Eu sendo como sempre sutil.

Mas pobre amiga minha, ela já tinha ido. Entramos porque se um está ferrado, estamos todos no mesmo barco. Falei: "Fiquemos aglomerados na frente com calor humano". Pra onde ela foi? Pra trás do ônibus que tinha só dois caras SUPER suspeitos. Esse é o momento em que eu insiro várias exclamações para esta atitude: !!!!!!!!!!!!!!!!!

Daí fomos pra perto porque sou uma boa amiga. De repente, saindo da barra pesada, dois carros de polícia nos cercaram e os caras começaram a pular que nem siri na lata. Meu esfíncter entrou em ação novamente, não passava nem alma. Os caras com arma e andando de um lado para o outro, pondo arma pro alto. A polícia entrou no ônibus, tirou um deles E O OUTRO FICOU. A polícia deixou o comparsa do cara! Como assim?

No primeiro ponto de ônibus todos descemos e botamos dez na pata do veado numa corrida desabalada. Quase atropelados por um outro ônibus em Bonsucesso, fomos depois comer coxinha e rir da situação.

Rir depois que passa é tão gostoso como aquela coxinha. Saudades da coxinha.

Fiquei espertíssima para ônibus, mas tenho mais experiências para contar em vários outros posts. Pobre sempre anda de ônibus e sempre tem novas histórias para contar. Faz parte. 

Um comentário:

Mariana Ferrari disse...

Algumas coisas podem ter sido trágicas, mas que eu ri do começo ao fim do post eu ri HAHHAHAHA

Realmente, ônibus nos permitem histórias engraçadas e inusitadas.

CONTINUE COM A SAGA <3

Cafeína Aguda